O terceiro extrato do livro Psicopatologia da Vida Cotidiana, de Sigmund Freud, narra um caso passado no início do século 20 com um jovem alemão. Aqui, mais uma vez, o aspecto narrativo, a qualidade literária do texto, fascina. Além da percepção de uma sutil ação da mente, o texto pode ser lido como um conto muito engenhoso. Numa sociedade sexualmente repressiva, com valores rígidos e dolorosos para aqueles que viviam sob os seus dogmas, se passou o seguinte:
“Um jovem foi apresentado a uma senhora inglesa hospedada na mesma pensão e simpatizou-se com ela. Na primeira noite após terem sido apresentados, conversando na língua da terra da senhora, que ele conhecia muito bem, o jovem quis dizer ouro em inglês. Apesar de seus esforços para encontrá-la, a palavra não lhe ocorreu. Em vez dessa, a palavra francesa or¸ a latina aurum e a grega chysosimpuseram-se obstinadamente como substitutas, tanto que ele só as rejeitou com muito custo, apesar de saber que elas não tinham parentesco com a palavra que ele procurava. Por fim, o único caminho que encontrou para se fazer entender foi tocar um anel de ouro na mão da senhora; e, muito embaraçado, ele assim soube por ela que a palavra tão procurada para dizer ouro era “gold” exatamente como a palavra alemão, ou seja, “Gold”. O grande valor desse contato, que o esquecimento favoreceu, não estava meramente na satisfação incontestável do instinto de tomar ou tocar – porque para isso existem outras oportunidades ansiosamente explorada por pessoas apaixonadas. O valor está muito mais na maneira em que o contato ajudou a esclarecer as perspectivas do galanteio. Especialmente se estivesse simpatizando com o companheiro de diálogo, o inconsciente da senhora adivinharia o objetivo erótico do esquecimento, oculto pelo disfarce da inocência. A maneira de ela corresponder ao contato e aceitar a sua motivação pôde, assim, tornar-se um meio – inconsciente para ambos, mas muito significativo – de chegarem a um entendimento sobre as chances do flerte iniciado pouco antes.” Pág. 57/58
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